O cortisol é um glicocorticóide presente em todos os vertebrados e apresenta muitas funções. O estresse sobre o animal aumenta seu nível no sangue, influenciando diversos órgãos e também o comportamento. No artigo de Lima e colaboradores (2006), os autores fazem uma discussão sobre a resposta ao estresse e a seleção natural e citam pesquisas que mostram resultados diferenciados entre peixes, aves e mamíferos. Em aves e mamíferos os níveis de corticosteróides, em resposta ao estresse, são mais uniformes do que aqueles observados em peixes, que entre diferentes espécies podem apresentar respostas bem diferentes. Algumas nem aumentam seu nível de cortisol quando submetidas ao estresse. Estas informações são relevantes porque podem conter parâmetros que podem influenciar a permanência da espécie no seu nicho, bem como influenciar o cultivo de peixes. Diante disso elabore:
a) Uma crítica ao artigo;
b) Uma teoria que explique esta diferença de resposta ao estresse, nos peixes;
c) Um resumo que explique as ações do cortisol nos peixes e que abranja ações de comportamento;
d) Uma proposta de manejo de peixes, com base nestes conhecimentos, que seria aplicada em cultivo para populações carentes (aspecto social);
Questão A.
O trabalho de Lima et al. 2006 apresenta de forma concisa as possíveis respostas fisiológicas dadas por alguns peixes de importância econômica à fatores estressantes. Uma primeira crítica a tal trabalho está justamente no título, sendo que tal erro se mostra também no corpo do trabalho. O termo “peixe” é colocado de forma inadequada, pois não se trata de um clado (agrupamento monofilético), é tanto que existem peixes com pulmões (Dipnoi). Um dos termos corretos seria Osteichthyes, grupo que reúne os peixes ósseos. Tal crítica pode parecer um preciosismo taxonômico, contudo, uma vez que, em um artigo científico, como é o caso, é delimitado um grupo taxonômico válido, é possível pressupor os padrões evolutivos, os parentescos com outros táxons e conseqüentemente um maior entendimento sobre os padrões comportamentais a partir de estudos filogenéticos. Alguns grupos de Osteichthyes foram submetidos a fatores estressantes como a falta de oxigênio na água e a escassez da mesma, durante vários períodos geológicos e isso levou á um nível de especiação, ou seja, surgiram peixes que poderiam suportar um longo período fora da água. Tais conhecimentos devem ser levados em conta também na aquacultura na seleção de espécies a ser comercializada.
Outra observação, fica a critério de alguns conceitos usados de forma incorreta, no tocante a termos técnicos usados em Biologia. O uso do termo “depressão” deveria ser substituído por “depleção”, visto que, designaria a redução da secreção hormonal a partir da glândula pituitária.
Segundo o autor, “As células cromafins nos peixes são o órgão homólogo à medula adrenal dos mamíferos e são a principal fonte das catecolaminas circulantes”. Nos “peixes” as células inter-renais que formam um órgão, está localizado sobre o rim. As células cromafins estão localizadas na cavidade anterior do corpo próximas ao rim formando agrupamentos celulares análogos as células de cromafins presentes na medula adrenal dos mamíferos.
Na parte fisiológica, o texto se mostra incompleto uma vez que onde cita: Ação do cortisol, o texto não traz resumidamente a ação do mesmo no organismo dos “peixes”, sua classificação, composição química, onde e como é produzida (ver questão C). Tais informações são úteis no entendimento das respostas dos peixes aos fatores estressantes.
Questão B.
Uma hipótese sobre a diferença de resposta ao estresse nos peixes, é a variação genética que existe entre os mesmos. Tal variação descreve naturalmente as diferenças genéticas entre os indivíduos da mesma espécie. Esta variação permite uma grande flexibilidade e sobrevivência de uma população em meio a circunstancias adversas do ambiente. Conseqüentemente, a variação genética é muitas vezes considerada uma vantagem, pois é uma “garantia” de sobrevivência da espécie.
Essa diferença gênica vai refletir em todo sistema fisiológico e comportamental do animal. A variação genética numa população é derivada a partir de uma grande variedade de genes e alelos. A permanencia das populações ao longo do tempo através de ambientes em mudanças depende da sua capacidade de se adaptar às tais mudanças. Em algumas vezes, a adição de um novo alelo em uma
população torna mais capazes de sobreviver, por vezes, a adição de um novo alelo de uma população torna menos capaz e ainda outras vezes, a adição de um novo alelo de uma população não tem efeito em todos, mas o novo alelo vai persistir ao longo de gerações, porque a sua contribuição para a sobrevivência é neutra (Sousa, 2002).
Pequenas mudanças na estrutura genômica, tais como metilação ou alterações nas seqüência dos íntrons, que aparentemente não codificam proteínas, podem causar essas diferentes respostas ou em momentos diferentes à ação do cortisol. O cortisol, pode atuar no metabolismo de proteínas, aumentando sua quebra e diminuindo a síntese que influenciará na atividade serotoninérgica. A serotonina, por ser um importante neurotransmissor relacionado em inúmeros processos fisiológicos, irá ser sintetizada em quantidades e ritmos diferentes em cada espécime de uma população, isso como já foi dito, devido ao fato dessa variabilidade genética. Em uma população, essa variação produzida pela recombinação genética é fundamental para promover a evolução (adaptação) dos organismos em resposta a alterações ambientais garantindo a preservação das espécies. E nos peixes, não pode ser diferente, uma vez que estando restritos a ambientes aquáticos, esses animais tendem a estar constantemente expostos a estressores.
Outra teoria que se aplica, são os diferentes tipos de estressores, ou seja, diferentes tipos de manejo, bem como o tempo de exposição dos estressores a determinada espécie de peixe.
Questão C.
Quando submetidos a determinados tipos de estress como dor, falta de oxigênio entre outros, os receptores sensoriais responsáveis pela recepção e transmissão dos estímulos sofrem uma despolarização da membrana, e quando alcança um limiar gera um potencial de ação. Tal informação (potencial) é transmitido numa via unidirecional através dos axônios sendo que no mesmo há uma membrana excitável ao longo de toda sua extensão, o potencial de ação por tanto se propagará sem decaimento. Tal informação chega ao hipotálamo que é uma estrutura do sistema nervoso central envolvido em inúmeros processos fisiológicos que secreta o fator de liberação da corticotropina.
O Hipotalamo exerce uma ação direta sobre a hipófise. O Hormônio Corticotrófico (Corticotrofina , ACTH) que é quem vai estimular as Suprarrenais a secretar o cortisol, é secretado pela hipófise anterior devido à liberação, do hormônio liberador de corticotrofina (CRH). A secreção do CRH é regulada por estímulos como o estresse.
A partir da ação do ACTH nas Suprarrenais, é produzido o cortisol que é um Glicocorticóide, por tanto não é solúvel em água e necessita de uma proteína transportadora para percorrer a corrente sanguínea e essa proteína é uma alfaglobulina chamada transcortina ou CBG (cortisol binding globulin). Os principais alvos do cortisol são as células musculares e o fígado. Ao chegar à célula ele atravessa a membrana se liga a receptores intracelulares, ficando tais receptores ativos com a ligação do cortisol. Esses receptores intracelulares têm a capacidade de se ligar e regular alguns genes no DNA, sendo os principais aqueles envolvidos na quebra de proteínas (site 1).
No organismo, o cortisol causa efeitos no metabolismo dos carboidratos reduzindo a utilização da glicose pelas células, sua produção e aumentando a glicogenólise. Também diminui a síntese de proteínas e aumentem a lise das mesmas. O cortisol ainda aumenta a concentração dos ácidos graxos dos tecidos adiposos e a utilização das gorduras pelas células para produção de energia. Além disso, o cortisol estabiliza a membrana dos lisossomas, dificultando seu rompimento ajudando os tecidos lesados a se recuperarem diminuindo com isso os efeitos do estress (Oba et al, 2009).
As alterações comportamentais observadas variam de espécie para espécie e até mesmo numa mesma população. Tais alterações tendem a reduzir ou eliminar os efeitos do estresse. Um dos principais comportamentos é aquele de fuga, mas pode ser observadas mudanças no ritmo natatório, alterações no comportamento alimentar, redução do comportamento agonístico ou territorial ou até mesmo aumento da agressividade (Shereck, Olla & Davis, 1997 apud Galhardo & Oliveira, 2006).
É difícil avaliar os efeitos do aumento do cortisol no comportamento dos peixes, pois pode haver inúmeras variáveis que influenciarão tais comportamentos. Alguns estudos, por exemplo, verificaram que o cortisol esta associado na agressividade de várias espécies de peixes, e isso pode estar ligado a influencia na atividade serotoninérgica. Como já foi dito, o cortisol diminui a síntese de proteínas e aumenta a lise das mesmas causando um aumento de aminoácidos livres em determinadas regiões (Summer & Winberg, 2006). Com isso aumenta a síntese da serotonina que é produzida a partir do aminoácido triptofano por duas enzimas, à triptofano-hidroxilase (TPH) que promove a hidroxilação do triptofano em 5- hidroxitriptofano (5-HTP) e a descarboxilase de aminoácidos (L) aromáticos que converte o 5- HTP em serotonina que é um neurotransmissor que regula várias atividades fisiológicas. Quimicamente a serotonina ou 5-hidroxitriptamina (5-HT) é uma indolamina, produto da transformação do aminoácido L-Triptofano. (Wolkers, 2010).
Questão D.
Uma proposta para o manejo deveria está relacionada à espécie que se pretende trabalhar, pois como observado no texto de Lima et al. 2006, a resposta a exposição de estressores pode variar entre espécies e até mesmo entre indivíduos de uma mesma espécie. Um estudo da biologia da espécie, buscando identificar se o animal é territorialista, as condições do habitat natural (temperatura da água, níveis de O2 dissolvidos etc.) e a reprodução artificial de tais aspectos pode ser um recurso valoroso na obtenção de animais saudáveis. Uma proposta plausível seria a de selecionar os indivíduos que melhor respondem as mais variadas formas de estressores e posteriormente, cruzar tais indivíduos, submetendo-os a um determinado nível endogâmico. Como mostra no trabalho de Lima et al. 2006, em algumas espécies há um grau de herdabilidade no padrão de resposta dado a um determinado estresse. Assim, através de uma seleção induzida, se terá animais que suportarão melhor aos fatores estressores, diminuindo os danos causados pelos mesmos.
A partir destes conhecimentos obtidos na academia, o papel do Biólogo, para além das obrigações acadêmicas, seria transpor e democratizar estas informações para sociedade como um todo. Uma das condutas necessárias para este tipo de empreendimento, estaria no estabelecimento de ferramentas de comunicação entre a academia e as populações carentes assistidas. Primariamente, poderia vir através da confecção de cartilhas, mine-cursos (teórico/prático) sobre o conhecimento do manejo de “peixes” e fatores estressores, bem como minimizar estes fatores, afim de, identificar o comportamento nos peixes e nas espécies mais afetadas, no intuito de obter uma grande produtividade, reduzindo os custos de produção. Segundo Cannon (1935), o estresse seria como um estimulo que promove alterações na homeostase, envolvendo o Sistema Nervoso Autônomo (SNA).
Um dos fatores primordias para o sucesso na redução dos agentes estressores neste empreendimento, seria através da minimização dos efeitos do manejo nas despescas e superpopulação nos tanques, aliando medidas de baixo custo e fácil acesso. O uso de sal (NaCl) seria de grande valia para fins de redução na alteração dos níveis de hiperglicemia ou hipercortisolemia, que podem ter seus níveis elevados pela retirada dos peixes da água no momento de transporte ou repicagem da população, causando uma grande influencia sobre o sistema cardiovascular e alteração no fluxo sanguineo, ou até mesmo no combate a parasitos, fungos e bactérias.
A aplicação do sal seria atribuída devido a perda de sais do sangue para água (meio externo), em vista disto, Carmichael et al, (1984), postula que essa medida promoveria uma proteção contra a perda de eletrólitos e contra disfunções osmorregulatórias. A hiperglicemia seria resultado da liberação de glicose para sangue, mediado pelas catecolaminas que estimularam a glicogenólise. Dessa maneira, os peixes ósseos de água doce eliminariam o excesso de água e obteriam íons, podendo assim, resistir melhor aos impactos dos agentes estressores como manejo. A alta densidade de animais no reservatório também acarretaria em um fator de estresse, ocasionando uma busca maior por O2, elevando assim, os níveis de cortisol devido ao estresse sofrido.
Segundo Weendelar Bonga (1997), o cortisol plasmático é o indicador de estresse mais largamente utilizado em peixes. Ainda segundo Weendelar-Bonga, outras ações do cortisol incluem redução na taxa de crescimento e supressão das funções imune e reprodutiva. Em detrimento de pouco espaço (tanques pequenos), uma medida cabível seria o emprego de aeradores para permitir a renovação de O2 na água. Medidas de baixo custo também podem ser empregadas, como a confecção de aeradores caseiros construídos a partir de motores de geladeira e garrafas pet. Sendo assim, é sabido que muitos fatores estressores atingem os peixes durante o manejo, mas podem ter seus efeitos minimizados através de práticas simples e de fácil acesso.
Referências:
GALHARDO, L.; OLIVEIRA, R. Bem-estar animal: um conceito legítimo para peixes. Revista de Etologia, v.8, n.1, p.51-61, 2006.Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/reto/v8n1/v8n1a06.pdf
LIMA, L.C.; RIBEIRO, L.P.; LEITE, R.C.; MELO, D.C. Estresse em peixes. Rev. Bras. Reprod. Animal, v.30, n.3/4, p.113-117, jul./dez. 2006.
MOLINA, Patricia E. “Fisiologia Endócrina” (2 ª edição), 2009.
OBA, ELIANE, et al. Estresse em peixes cultivados: Agravantes e atenuantes para um manejo rentavel. In: TAVARES-DIAS, Marcos (Organizador) Manejo e sanidade em peixes de cultivo. Embrapa Amapá, Macapá: Embrapa, 2009. Capítulo 8, p. 226 – 247.
SOUSA, N.R. 2002. Processos genético-evolutivos e os recursos fitogenéticos. In: Sousa, N.R.; Souza, A.G.C. (Eds.) Recursos fitogenéticos na Amazônia Ocidental: Conservação, pesquisa e utilização. Embrapa Amazônia Ocidental, Manaus. pp. 19-26.
SUMMERS, C. H.; WINBERG, S. Interactions between the neural regulation of stress and aggression. The Journal of Experimental Biology, v. 209, p. 4581-4589, 2006.
WOLKERS C. P. B. 2010 Controle neuroendócrino do comportamento agressivo de juvenis de Matrinxã (Brycon amazonicus). Dissertação. Universidade Estadual Pa ulista - UNESP
Centro de Aqüicultura da UNESP. Jaboticabal São Paulo – Brasil
SITE 1: Cortisol: Ação no músculo Disponível em: http://objetoseducacionais2.mec.gov.br/bitstream/handle/mec/2809/49205_Cortisol%202%20acao%20no%20musculo.swf?sequence=4
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